Capítulo 01 - Bella
Inglaterra,
junho de 1799
Em qualquer parte do
mundo o tempo passava veloz, com as asas abertas, mas na campina inglesa seu
passo era lento e pesado, quase doloroso. O ar era sufocante e o pó, ainda
suspenso sobre o caminho, recordava a passagem de uma carruagem momentos antes.
Uma pequena granja usurpava sombriamente o terreno sob a bruma que cobria o
pântano, no interior da casa, Bella tentava descascar batatas com uma faca sem
fio, muito cansada, mas com medo de que sua tia Victória lhe desse umas
varadas; estava muito cansada, morava na pequena casa há dois anos, logo após a
morte do seu amado pai, Charlie. Dificilmente se lembraria dos momentos
felizes que vivera antes do fatídico dia, deixara de ser uma menina e passou a
ser uma moça.
Vivera com seu pai Charlie numa
confortável casa em Londres, com belas roupas e comida a vontade. Mesmo as
noites em que ficava sozinha com os empregados, não eram tão assustadoras
quanto viver com a tia e entendia o sofrimento do seu pai quando perdeu seu
grande amor – Renné – no momento do parto da sua única filha.
Agora Bella podia compreender inclusive
a necessidade que seu pai tinha de jogar, esse cruel hábito que lhe tinha
roubado a vida, o lar e a segurança, deixando-a a mercê de seus únicos
familiares, uma tia cruel e um tio sem fibra.
Tia Victória descansava com seu
volumoso físico em um colchão de palha e Bella já se preparava para os sermões,
nada agradava à tia e o seu maior prazer era deixar marcas no corpo da sobrinha
com vara que não lhe saia das mãos.
Provavelmente se tratava de ciúmes.
Victória nunca tinha sido bonita nem nada que se parecesse a isso, enquanto que
a moça, Renné, possuía encanto e uma beleza deliciosa. Quando entrava em um
lugar todos os homens se voltavam para olha-la. Bella tinha herdado a beleza de
sua mãe, e com ela, as críticas de sua tia.
As casas de jogos tinham exigido o
pagamento das dívidas que Charlie tinha contraído e levaram todos os bens
materiais que possuía a exceção de uns poucos objetos pessoais e um pouco de
roupa. Victória tinha se deslocado depressa a Londres para declarar o legítimo
direito de seu marido, ficando com sua sobrinha órfã e a exígua herança desta
antes que alguém tivesse tempo de protestar. Vivia resmungando que Charlie não
tinha compartilhado sua riqueza e nem lhes deixado nada, mais que depressa ela
vendeu todos os objetos possíveis, menos um: Um vestido cor de rosa, que
proibiu Bella de usar e embolsou todo o dinheiro.
Bella endireitou as costas e suspirou:
– Isabella Swan! – Gritou sua tia do outro aposento.
– Deixe de ser preguiçosa e
trabalhe! Acha que as coisas vão aparecer prontas enquanto você suspira? Não
sei pra que colégio que você foi, não lhe ensinaram nada de útil, só ler e
encher a cabeça de ideias pretensiosas.
Bella se preparou, sabia o que estava por vir.
– Olhe como foi bom viver com a única família que ficou. Seu pai
era um imbecil, sim era, jogando o dinheiro dessa maneira sem se preocupar com
ninguém senão consigo mesmo! E tudo por culpa da irlandesa louca com quem se
casou!
– Ele era um bom pai
– Isso é uma questão de opinião, mocinha – replicou a mulher com
uma careta de desprezo.
– Olhe em que situação a deixou:
No mês que vem fará dezoito anos e não tem dote. Nenhum homem vai querer se
casar contigo sem dote; pode ser que a queiram... mas só para esquentar sua
cama. Coloquei muito empenho em fazer de ti uma pessoa decente. Não quero que
comece a encher a casa de bastardos. As pessoas daqui estão esperando isso.
Sabem a classe de lixo que era sua mãe.
Bella estremeceu, mas sua tia continuou, olhando-a nos olhos e lhe
apontando o dedo.
– O diabo se ocupou de que fosse
igual a ela. Uma bruxa, isso é o que ela era. É lógico que se pareçam. Assim
como a sua mãe arruinou a vida de seu pai, você fará o mesmo com qualquer homem
que se fixe em ti. É a vontade do Senhor que a trouxe até mim. Ele sabia que eu
poderia te salvar do fogo e do o enxofre aos quais estava predestinada, e eu
cumpri com meu dever ao vender esse vistoso vestido de noite que tinha. Esses
velhos vestidos meus ficam muito bem.
Bella quase riu, mas a situação era triste a roupa de sua tia pesava
mais que seu corpo e tinha o dobro do volume, farrapos que ridicularizavam a
sua figura, ela não podia consertá-los a única coisa permitida era fazer a
bainha, para que não tropeçasse ao andar. A mulher percebeu Bella olhando o
vestido e lhe dirigiu um olhar depreciativo.
– Sua mendiga ingrata! Onde
estaria se eu não a ACOLHESSE? Se seu pai lhe tivesse deixado um dote... mas
ele pensava que era jovem demais para se casar, não queria se afastar da
filhinha... mas agora, mocinha, está muito velha, morrerá solteirona e virgem,
desta parte eu me encarrego.
Victória saiu do aposento, mas não sem
antes avisar que se tudo não estivesse pronto, Bella iria levar umas
varadas. Não pensou duas vezes, suas mãos trabalharam mais rapidamente, apesar
do esgotamento, tinha se levantado antes do amanhecer para preparar um banquete
para o irmão de Victória, James. Ele era a única pessoa que a megera amava,
ainda se deu ao trabalho de fingir que tinha ajudado a fazer alguma coisa, ela
o criara, pois seus pais morreram cedo, mas ele parecia ter vergonha dela, não
a recebia em sua casa e James fazendo uma visita surpresa era um mistério.
Bella pensou que tinha escutado mal
quando a tia a mandou colocar o vestido rosa.
– O meu James está acostumado com o
melhor de Londres, a sua loja de moda é uma das melhores e tem dinheiro porque
não vive em jogatinas como seu pai e é firme, ao contrário do seu Tio Laurent,
não quero que ele se assuste com um tipo como o seu.
Bella estava encantada, a dois anos
seus vestido estava guardado e ela mal ousava olha-los. Parecia que havia se
passado uma eternidade desde que vestira algo bonito. Seu contentamento não
passou despercebido à tia
– Vejo que está contente. Pensando
em como ficará encantadora com um vestido tão fino. Seria melhor que estivesse
casada, mas precisaria de um homem que lhe mantivesse sob rédeas curtas e a
cada ano lhe dê um filho para afogar o diabo que reside em você.
Bella sorriu e sacudiu os ombros, seria
bom ter coragem de fazer uma cena para a tia acreditar que era realmente uma
bruxa, mas essa ousadia com certeza lhe valeria algumas varadas, não, era
melhor esquecer isso.
– Outra coisa mocinha, prenda o
cabelo em um coque – disse Victória, pois sabia como Bella odiava que
lhe mandassem o que fazer com os cabelos. Bella se dirigiu calmamente
em direção a seu cantinho, correndo as cortinas que o separavam do resto do
lugar.
O deprimente cubículo tinha o mínimo
necessário, mas lhe servia de refúgio contra a crueldade da tia, acendeu uma
vela sob a mesinha que ficava ao lado da cama de varas, e entrou na bacia onde
um banho quente a aguardava. Retirou os trapos que vestia e com todo o cuidado
retirou o vestido rosa do pacote, para que pudesse admira-ló enquanto se
banhava.
Esfregou vagarosamente a pele
e com um pano passou pelo corpo um sabonete perfumado que conseguira
salvar das garras da tia Victória. Colocou o vestido trajando uma camiseta
desgastada, mas o busto do mesmo havia sido feito para alguém mais jovem, o
tecido lhe apertava o busto, elevando-o. Mas esse era seu único vestido, não
tinha como conserta-lo agora.
Escovou seus cabelos até que as mechas
castanho avermelhadas brilhassem sob a luz da vela, eles eram o alento do seu
pai, ele sempre lhe dizia que eram iguais ao da sua mãe Renée, às vezes, ao
acaricia-lo, Bella flagrava seu pai com lágrimas nos olhos.
Como ordenado, prendeu um cabelo em um
coque, mas em um gesto de atrevimento, deixou uns cachos caindo pelas costas e
outro sob as têmporas. Observou-se em um pedaço de vidro e ficou satisfeita,
ficou melhor do que ela esperava em vista dos objetos rudimentares de que
dispunha.
Ouviu uma movimentação na sala e ao
ouvir a tosse seca descobriu tratar-se do tio Laurent. Ao pousar o olhar na
beleza doce da sobrinha, transpareceu dor em seu olhar, sentou-se em sua
cadeira favorita e sorriu.
– Está muito bela, querida.
Imagino que seja pela visita de James.
– Tia Victória me deu permissão – Bella apressou-se em
responder.
– Não duvido, ela faz tudo para
agrada-lo.
James era maior que Victória, mas
certamente não era tão obeso quanto ela, mas Bella supunha que essa diferença
diminuiria em poucos anos. Seu rosto era gordinho e corado, com pesadas
bochechas, e possuía um protuberante lábio inferior constantemente úmido de
saliva. Frequentemente dava tapinhas sobre o mesmo com um lenço. Quando lhe deu
a mão para saúda-la, esta estava desagradavelmente flácida, e ao inclinar-se
para beijar-lhe no rosto Bella sentiu náuseas.
Tia Victória, com seu cabelo recolhido
atrás de sua enorme cabeça, parecia uma fortaleza imponente coberta por seu
vestido engomado e seu avental. Agora já não dizia que os vestidos elegantes
eram obra do demônio, e sim se mostrava encantada em ver seu irmão vestido
feito um almofadinha, e ficava ao seu redor como uma galinha em torno de seus
pintinhos.
Bella nunca tinha visto a tia tão
carinhosa com alguém, e James recebia os cuidados encantado. Não prestou muita
atenção a conversa, a não ser quando esta rumou para as novidades de Londres,
queria notícias de alguns amigos e conhecidos, mas sabia que seria castigada se
o perguntasse. Desviou sua atenção assim que sua tia começou a criticar as
ações do irlandeses (Renné era Irlandesa) e agradeceu aos céus quando ela ficou
ainda mais enfurecida ao falar dos Ianques que tinham atracado no cais londrino
como seus próprios donos, segundo James.
Foi retirada dos seus devaneios com um
cruel beliscão no braço. Bella deu um pulo esfregando o local e olhou a sua tia
contendo o pranto.
– Perguntei-te se desejaria dar
aulas na escola privada para senhoritas de Lady Cope. Meu irmão acredita que
poderia te encontrar um emprego ali - disse tia Victória.
Bella não podia acreditar no que estava
ouvindo.
– Como? - perguntou. James riu e
se explicou:
– Tenho muito bons contatos na
escola e sei que estão procurando uma jovem instruída – explicou.
– E você possui excelentes
maneiras e boa dicção. Acredito que seria perfeita para o posto, e entendi que
frequentou um colégio em Londres ao qual nos é de muita ajuda - Possivelmente
no futuro possa te arrumar umas bodas com uma família distinta da cidade. Seria
uma lástima esbanjar seu delicioso refinamento com um granjeiro ordinário
daqui. Entretanto, o acerto de um contrato assim significaria o fornecimento
por minha parte de um dote substancial, ao qual seria devolvido quando já
estivesse casada. Trata-se de um ligeiro estratagema, mas seria proveitoso para
ambos. Você necessita de um dote que eu posso te proporcionar, e em troca
pode me favorecer nos interesses do empréstimo, que me devolverá mais tarde.
Ninguém tem que conhecer este acerto, e sei que é o suficientemente hábil para
obter o dinheiro uma vez desposada. Seria suficiente para ti o posto que te
ofereço com Lady Cope?
Bella não estava segura do plano
nupcial, mas poderia escapar daquela granja, da tia Victória e de sua
aborrecida existência! Poderia estar de novo perto da sociedade de Londres!
Seria maravilhoso! Se não fosse pela ardência do braço teria acreditado que
estava sonhando.
– Diga-me, qual é sua resposta? -
apressou-a James. Quase incapaz de conter sua alegria, não hesitou por
mais tempo e respondeu:
– A oferta é muito generosa,
senhor, e eu aceito com gosto. James voltou a rir e exclamou:
– Bem! Bem! Não te arrependerá da
decisão - esfregou as mãos.
– Amanhã mesmo devemos partir
para Londres. Estive afastado de meus negócios muito tempo e devo retornar para
falar com meu assistente. Acho que poderá ter tudo preparado, filha?
– Oh, sim, senhor. Estarei
preparada tão logo deseje partir - respondeu a jovem alegremente.
Bella recolheu a mesa, e desta vez o
fez com um sentimento diferente ao saber que esses pratos seriam os últimos que
esfregaria naquela casa.
Sentia-se muito feliz para falar com sua tia, e ao ficar a sós depois da
cortina fechada em seu seu cantinho, pensou em todos os prazeres de que
desfrutaria estando longe dela.
Qualquer posto em Londres seria melhor
que viver sob o domínio e o abuso daquela mulher. Já não teria que aguentar
mais seus insultos, sua raiva, e talvez pudesse encontrar a uma pessoa que se
preocupasse com ela.
O que lhe reservaria Londres?